Lembro de estar caminhando na rua aqui na França, voltando pra casa numa tarde quente de fim de verão, especificamente na véspera do meu primeiro dia de aula no mestrado em Didática de Línguas Estrangeiras que vim fazer aqui nos alpes da França, e pensar comigo mesma: É surreal a sensação de saber que, depois desse dia em diante, existirá um antes e depois da minha vida. Nesse dia, eu vou acordar num dia irrepetível e transformador na minha vida: o dia em que estará começando um novo capítulo pessoal e profissional. Pela última vez, na véspera daquele dia, eu senti a curiosidade e o sentimento do desconhecido que habitava em mim durante todo esses anos.
Até então, muitas perguntas e dúvidas me faziam companhia: “como será que é ter aula numa sala cheia de outros estrangeiros como colegas, num outro país? Como são as próprias salas de aula, será que são semelhantes ao que estamos acostumados no Brasil, ou lá é totalmente diferente? E a didática, como será? Será que eles usam mais caderno ou só usam computador? E fazer provas, não de idioma, mas sobre outro assunto e EM outro idioma, como será isso?” Saber que no outro dia elas seriam todas respondidas e seriam pra sempre parte apenas do passado, era uma mistura de frio na barriga, adrenalina, medo, mas aquele medo bom, sabe? O medo de sentir que o novo está batendo na tua porta, depois de tu ter esperado e se preparado pra ele por tanto tempo. Na véspera, segui a dica de um amigo brasileiro que mora na França já há 1 ano e também faz mestrado aqui, e me sugeriu comprar um fichário e um bloco de folhas, e ir alimentando conforme o necessário.
Segui a dica, a gente escuta a voz da experiência de quem já viveu o que queremos viver, né? Na França, as folhas de caderno são de um estilo bem particular: não são com as mesmas linhas horizontais como estamos acostumados, mas quadriculados em azul, com quadrados bem pequenos. Sempre achei fascinante essa diferença e quando cheguei na papelaria me dei conta do sonho que eu estava realizando quando a vendedora me trouxe esse bloco de notas e disse: “você vai escrever à francesa na faculdade então!”. No primeiro dia de aula, acordei cedo pra me arrumar, fazer um sanduíche pra levar pro piquenique de integração que teríamos no horário do almoço (bem coisa de francês fazer piquenique), peguei o trem e fui pra faculdade. Tirei uma foto na frente do meu prédio, pra eternizar aquele momento, e estava me preparando pra sabe-se lá o que me esperava das portas do prédio pra dentro. Principalmente, as interações em massa em Francês no mundo real. Entrei no prédio e fui direto pra parede onde tinha um mapa grudado.
Ali, já interagi puxando papo com 2 chinesas, perguntando se elas sabiam onde ficava a sala X que eu procurava, e elas estavam tão perdidas quanto eu, procurando a mesma sala. Começamos a andar juntas, até que íamos perguntando pras pessoas pelo caminho e fomos descobrindo a direção. Seja pra uma sala ou pra qualquer objetivo na vida, é ao caminhar que descobrimos o caminho. Precisamos nos colocar em movimento, não ter medo de interagir e, sobretudo, se andamos acompanhados, o processo é mais divertido e prazeroso. E assim foi! Chegando lá, a sala era, na verdade, um grande auditório, onde nos esperavam com uma grande mesa de café da manhã à la française: croissants, pain au chocolat, geléias, suco de laranja, de maça, café, chás…irresistível e acolhedor, e ainda com uma vista dos alpes ali da janela pra contemplar.
O ambiente era extremamente convidativo à integração, e eu estava curiosa e empolgada demais pra falar francês e interagir com todas aquelas pessoas! Saber, afinal de contas, quem são meus colegas? são todos franceses ou de que parte do mundo eles vêm? como são seus sotaques, nomes, histórias, percursos? queria saber tudo, uma vontade de viver intensamente me tomava! Foi muito curioso também, finalmente, conhecer pessoalmente os diretores e responsáveis do mestrado com quem, por meses, troquei centenas e-mails! Conhecia pelas fotos e rodapés descritivos das mensagens que trocávamos pela internet, e agora, estava ali, na minha frente, conversando olhando nos meus olhos, ouvindo a voz e o sotaque. Me disseram que lembraram do meu dossiê, que eu tinha um excelente dossiê e que tinha sido muito bem classificada pra bolsa. Depois vim descobrir, falando com alguns colegas do mestrado que também tentaram a bolsa que conquistei, que a universidade deu apenas 3 bolsas, e 1 delas foi pra mim. Fiquei completamente chocada quando descobri isso! Ali, senti que toda preparação compensa. Investir em sí e sentir que damos o máximo que podemos, dentro das nossas condições, sempre compensa.
Ali estava a prova. Viver aquele momento, na simplicidade e magia de cada interação, já eram uma conquista por si só, com a bolsa em euros, então, era a “cerise sur le gâteau” como dizemos em francês. Tivemos, depois, algumas palestras divididos em nossas respectivas turmas de mestrado, e ali mais uma surpresa: vi que éramos uma seleção de apenas 15 pessoas nesse mestrado. De pessoas de todo o mundo que aplicaram, foram selecionados pra estar ali naquela sala, nós. Me sentia tão acolhida, escolhida, especial, só pelo fato de poder estar vivendo aquele momento. Tem certas coisas que pensamos que sabemos que são especiais, mas só até elas realmente acontecerem é que entendemos a real grandeza dos pequenos grandes momentos.
Senti esse sentimento de pertencimento quando fizemos uma foto de todo o grupo, do nosso mestrado e dos outros 2 de línguas, juntos no pátio onde fizemos o piquenique. Aquelas fotos que vemos nos sites das universidades no exterior, onde estão os alunos juntos com os alunos internacionais. Ali estava eu, agora era a minha vez, eu estava na foto, vivendo aquele momento, ouvindo a contagem regressiva pro flash, sendo dita em francês, junto com todo mundo naquele gramado, numa tarde de verão francês. Meu coração era a própria estação do ano. Depois de muitos anos me sentindo deslocada e não pertencente no Brasil e onde eu estava, ali, naquele momento, naquele lugar, eu finalmente, dentro do meu peito, me senti em casa, e como é bom e libertador é essa sensação pura.
No final das contas, casa é o sentimento que carregamos e sentimentos dentro de nós, e podemos encontrá-lo em qualquer lugar do mundo, através de pessoas, situações e experiências. Quão empolgante é imaginar quantos lugares existem por aí no mundo, só nos esperando pra nos fazer nos sentir em casa, e ainda nem sabemos? Pode ter certeza: As melhores experiências te esperam do outro lado de um idioma estrangeiro.